Algumas coisas precisam permanecer platônicas pra
continuarem existindo. Passos ansiosos enquanto nos fones de ouvido George
Harrison canta incansavelmente sobre céus que cairiam ou portas que não seriam
encontradas, se não fosse por você, se não fosse por você...
Mais uma carta postada, estamos salvos. Até quando?
Na madrugada, enquanto Nina Simone grita incansavelmente versos que falam de lágrimas e rompimentos, é inevitável se perder no vazio que ficou.Porque muito além da tragédia anunciada de sua partida, o que lateja é a ausência de todos os detalhes que te traziam até mim. Sinto falta de teus silêncios que diziam o que eunão me atrevia a questionar, do cheiro da sua camisa e dos beijos singelos que te dava no ombro. Sinto falta do teu olhar que sutilmente se alegrava com a minha presença, da sua risada marcante, de te beijar a sobrancelha. Sinto falta da sua fala rebuscada sobre assuntos banais, da paz do teu sono e da sua formalidade. Sinto falta inclusive de sua ausência, da espera e de como me sentia quando retornavas.
Ainda musicalmente regida e sem inspiração para um texto unicamente meu, nessa tarde entediante de sábado entre um cochilo e um cigarro, existe Bethânia cantarolando coisas belas aqui e ali. Vejam que lindo Maria Bethânia e António Alçada Batista:
Maria Bethânia Composição: Sueli Costa sobre poema de Ricardo Reis
Segue o teu destino Rega as tuas plantas Ama as tuas rosas O resto é a sombra De árvores alheias
A realidade Sempre é mais ou menos Do que nós queremos Só nós somos sempre Iguais a nós próprios.
Suave é viver só Grande e nobre é sempre Viver simplesmente Deixa a dor nas aras Como ex-voto aos deuses
Vê de longe a vida Nunca a interrogues A resposta está além dos deuses.
Mas serenamente Imita o Olimpo No teu coração Os deuses são deuses Porque não se pensam
28 junho, 2010
Revendo algumas postagens antigas, encontrei uma composição de Oswaldo Montenegro que postei há alguns anos e que chegou a assustar o quanto encaixou-se perfeitamente ao meu “hoje”. Belíssimas palavras que falampor mim, dessa minha existência dúbia, carregada de sentimentos precisos e múltiplas certezas. No fim, o amor é o que rege e o que fica. Espero que gostem.
"Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio. Que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e a boca. Pois metade de mim é o que eu grito, a outra metade é silêncio. Que a música que ouço ao longe seja linda ainda que triste. Que a mulher que amo seja pra sempre amada, mesmo que distante.
Pois metade de mim é partida, a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece, nem repetidas com fervor, apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos.
Pois metade de mim é o que ouço, a outra metade é o que calo.
Que a minha vontade de ir embora se transforme na calma e paz que mereço.
Que a tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que penso, a outra metade um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste e o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita meu rosto num doce sorriso que me lembro ter dado na infância.
Pois metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade não sei.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria pra me fazer aquietar o espírito e queoseusilênciome falecadavezmais.
Pois metade de mim é abrigo a outra metade é cansaço.
Que a arte me aponte uma resposta mesmo que ela mesma não saiba e que ninguém a tente complicar. Pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer.
Pois metade de mim é platéia a outra metade é canção.
"e de repente olhaste uma flor sobre uma sepultura e disseste que gostavas tanto de amarelo e eu disse que amarelo era tão vida e sorriste compreendendo e eu sorri conseguindo e vimos uma margarida e nem sequer era primavera e disseste que margarida era amarelo e branco e eu disse que branco era paz e disseste que amarelo era desespero e dissemos quase juntos que margarida era então desespero cercado de paz por todos os lados." Caio F. - O dia de ontem.
Gosto de margaridas amarelas, dessas cheias de vida, ternura e surpresa.